Como dar aulas para deficientes visuais no mundo da imagem?

Ao iniciar os preparativos para montar um curso de violão para deficientes visuais, não imaginava o tamanho da jornada que me esperava, nem quantas dificuldades de acesso encontraria ao tentar adentrar esse universo.

No Brasil, como em outros países, existe uma lei que os sites devem ser acessíveis para os deficientes visuais, mas o que descobrimos é que a maioria dos sites, inclusive o meu, não o são.

O que demonstra que não são leis ou discursos de inclusão que nos fazem entender as dificuldades encontradas pelo outro, mas realmente por a mão na massa e usar as mesmas ferramentas que o usuário cego tem disponível.

A primeira etapa foi entender quem era o público alvo. E essa foi a primeira surpresa. Quando falamos em deficiente visual imaginamos que estamos falando de cegos, e isso é um grande erro. A minoria dos deficientes visuais são cegos, a grande maioria são portadores de baixa visão. Isso implicava que as imagens não estavam completamente descartadas, mas que o curso precisaria ter dois formatos, um para o cego e outro para o portador de baixa visão.

A segunda etapa foi utilizar os programas que os deficientes visuais têm para acessar o computador. Os principais eram os leitores de tela, entre eles: Dosvos, NVDA, JAWS.

Ao usarmos esses softwares começamos a entender que nem todos os formatos são aceitos por esses leitores, isso nos fez perceber que tanto a parte de organização do curso, como os formatos de arquivos que poderiam ser utilizados teriam limitações. Adobe flash, por exemplo, não poderia ser usado, pois os leitores de tela não liam esses arquivos, o que fez com que a interatividade de exercícios ficasse comprometida.

O que fazer?

Foi necessário adaptar o formato do curso as limitações dos leitores de tela e pensar todo o curso, aulas, exercícios, arquivos, pastas, às limitações dos leitores de tela.

O que percebemos é que os softwares, em sua maioria, não pensam no deficiente visual como um público, mas os leitores de tela também. Cada um tem seus próprios comandos, ou seja, para cada um desses leitores você tem de reaprender a usá-lo.

A terceira etapa foi montar o curso de violão. O que parecia fácil foi uma aula de humildade que tive de aprender. O primeiro elemento foi estabelecer a meta, que era montar um curso de violão popular e não um curso de violão clássico.

Tendo isso em mente percebi que não havia nem um sistema de cifragem ou tablaturas adaptados para o cego. Em um curso de violão clássico o aluno irá aprender partitura em braile, e com o passar do tempo irá efetivamente tocar. Mas um curso de violão popular a intenção é que o aluno aprenda a tocar e depois se ficar empolgado aprenda a ler partitura.

Tive que criar um sistema de cifragem próprio para que o aluno tivesse como entender onde colocar os dedos.

Mas a maior dificuldade foi entender que os arquivos de áudio deviam ser curtos, ou seja, divididos em diversas partes, pois a principal ferramenta do cego é a memória.

Isso me fez perceber que o sistema de partitura braile deveria ser rediscutido, pois quando foi criado não existiam os recursos de computador que temos hoje, mas isso é algo que conversaremos em outros artigos.

Creio que o objetivo principal desse artigo foi mostrar as limitações que o mundo da imagem nos dá. No mundo da imagem tudo é baseado em valorizar um único sentido, a visão. Isso nos faz pensar de forma muito limitada, e pior limita a nossa percepção de mundo.